Contratos de Locação e Pandemia (Covid-19)

Com o atual cenário pandêmico em decorrência da Covid-19, acompanhado das recomendações da Organização Mundial da Saúde, consubstanciadas nas práticas de quarentena, as quais, inclusive, já foram objeto Decreto por alguns Estados e Municípios, emergem questionamentos e preocupações a respeito dos impactos sociais, econômicos e jurídicos que a referida pandemia seguida das medidas de contenção da disseminação do vírus acabará ocasionando nas mais diversas relações humanas, sejam elas de ordem contratual, familiar, empresarial e tributária, por exemplo. 

Os desafios impostos impulsionam reflexões sobre diversos temas com severas repercussões práticas, conforme premissa já estabelecida.  

Analisando o tema proposto pelo título, qual seja, o Contrato de Locação, se faz necessário estabelecer como paradigma que todo contrato de locação, seja ele residencial ou não, configura-se por ser bilateral, oneroso, de trato continuado e sinalagmático.

Isto quer dizer que, ambas as partes – Locador e Locatário – possuem prestação para cumprir; que essas prestações são mensuráveis de forma econômica; que se renovam periodicamente; e mantém uma relação de equilíbrio entre si.

Sedimentado estes esclarecimentos é preciso ter como norte os artigos 22 e 23, da Lei nº 8.245/91, a qual dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Assim, registra-se que cabe ao locador entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina, bem como garantir durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado, mantendo durante a locação, a forma e o destino do imóvel.

Por outro lado, cabe ao locatário a obrigação de pagar pontualmente o aluguel ajustado, mediante a cessão do uso do imóvel, de modo que essas prestações estabelecidas entre locador e locatário restam equilibradas na forma contratualmente ajustada e devem manter esse equilíbrio original.

Portanto, para que locador ou locatário tenha direito a excepcional revisão do contrato de locação, faz-se necessário averiguar na hipótese algum fato que possa ter rompido aquele citado equilíbrio contratual.

Isto posto, embora o momento vivenciado imponha ainda mais a prática de solidariedade, a perda total ou parcial da capacidade econômica dos locatários, ou seja, a perda total ou a diminuição de rendimentos financeiros daqueles que porventura estejam submetidos a um contrato de locação residencial, não impõe ao locador o dever de isentar ou abater o valor do aluguel.

Como asseverado anteriormente, incumbe ao locatário o pagamento pontual do aluguel ajustado em razão da contrapartida pelo uso do imóvel locado. Nessa perspectiva é de ser esclarecido que a condição autorizadora da revisão do valor do aluguel é a aferição de um desequilíbrio nas prestações estabelecidas entre locador e locatário, que dizer, é necessário haver uma desproporção entre as alegadas prestações, o que se verifica, por exemplo, em uma eventual depreciação do valor de mercado do imóvel locado, de modo a caracterizar que o valor do aluguel não corresponde mais ao valor de uso do imóvel.

Em que pese à sensibilidade que o momento requer não se pode falar técnica e juridicamente que se enxerga mediante uma infeliz e eventual redução da capacidade financeira do locatário a presença dos requisitos autorizadores da revisão do valor do aluguel ajustado.

Em suma, valendo-se de uma linguagem mais popular, o locatário continua utilizando o imóvel para sua moradia, não havendo interferência no uso, motivo pelo qual deverá continuar pagando pontualmente o aluguel ajustado.   

Nada obstante, aduz-se a existência de decisões judiciais em sentido contrário, talvez no intuito de reverberar o sentido de justiça social.

Traçada essa linha de raciocínio entre as condições técnicas e jurídicas que autorizam a revisão do valor do aluguel ajustado e as decisões judiciais determinando um percentual de redução do valor deste aluguel, infere-se que o Judiciário pode estar acenando para as partes, em especial para o locador que o ideal é a autocomposição fazendo valer efetivamente a autonomia privada.

Primeiro, porque o Judiciário não vai dar conta de analisar casuisticamente as situações que serão propostas para análise, vide a quantidade de temas que vão reclamar debate e manifestação; segundo, porque se por um lado os locadores não tenham o dever de reajustar o valor do aluguel, por outro é de afirmar mediante o direito civil constitucional que não é momento pura e simplesmente de resolver os contratos vigentes, seja por conta de retirada a circulação de dinheiro do mercado, seja por conta do fim a que se destina o contrato de locação residencial, não obstante invariavelmente estas hipóteses acontecerão.

Assim, a melhor solução se reflete em virtude de uma autocomposição entre locador e locatário, tendo em vista que ambas as partes poderão discutir e decidir os aspectos e as cláusulas contratuais sob as quais estarão submetidas.

Diferentemente do que ocorre com a locação residencial, na hipótese de locação tecnicamente chamada de não residencial – comercial –, verifica-se a imposição de medidas de proibição e limitação ao exercício de determinadas atividades.

Nesse prisma, deve, desde logo, ser rememorado que o sinalagma, ou seja, o equilíbrio das prestações aventadas no contrato de locação incide independentemente do seu tipo (residencial ou não).

Nesse sentido, sem embargo de se inferir como contra-argumentação do locador ao direito de debater eventuais isenções e descontos, caso fortuito ou força maior, bem como fato do príncipe, vez o que objetivo não é aprofundar acerca desta discussão jurídica, incontestavelmente detecta-se um desequilíbrio na sua prestação, consubstanciada pela não disponibilização do uso do imóvel, para a finalidade comercial a que ele contratualmente esteja destinado.

Desse modo, ainda que se diga haver possibilidade de revisão do valor do aluguel ajustado em contratos de locação não residencial é preciso investigar in concreto se a atividade comercial desenvolvida por aquele locatário que eventualmente vier a pleitear isenção ou desconto sofreu alguma proibição ou limitação

Assim, o que se pretende deixar claro é que, independentemente de ser uma locação residencial ou não, não há uma solução pacífica e nem poderá ter visto as peculiaridades de cada caso. O ideal é que se garanta a vigência dos contratos com a maior liquidez às partes neles envolvidas, pois poderá haver decisões discrepantes para casos similares, gerando verdadeira insegurança jurídica. Verdadeiramente, o momento requer práticas consensuais de soluções dos conflitos, prestigiando a autonomia da vontade das partes, primando sempre pela boa-fé nos termos descritos no artigo 422, do Código Civil de 2002, segundo o qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.